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Sítio de Bagé – Parte IX – A Obsessão do Sangue (Augusto dos Anjos)

Publicado em: 22/04/2020 - 12:00
Sítio de Bagé – Parte IX – A Obsessão do Sangue (Augusto dos Anjos)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 10.04.2020

 

A Obsessão do Sangue

(Augusto dos Anjos)

 

[…] No inferno da visão alucinada,

Viu montanhas de sangue enchendo a estrada,

Viu vísceras vermelhas pelo chão …

 

E amou, com um berro bárbaro de gozo,

O monocromatismo monstruoso

Daquela universal vermelhidão!

 

 

 

A Federação n° 46

Porto Alegre, RS ‒ Sexta-feira, 23.02.1894

 

História do Sítio de Bagé

Fatos e Documentos

 

 

E depois, quando o incêndio atingiu o auge, os bandidos festejavam a sua obra de destruição com descargas de fuzilaria e vivas estrepitosos, que iam perder-se no espaço assombrado e mudo de terror! Foi um episódio da mais requintada selvageria aquele a que fomos forçados a assistir, neste fim de século de ciência, civilização e humanidade; foi um espetáculo medonhamente repugnante que exacerbou a santa indignação dos heroicos defensores da praça.

 

No dia seguinte, dia de verão cálido e pesado, entravam na praça senhoras espavoridas, das principais famílias, acompanhadas de inocentes crianças, banhadas em lágrimas de terror, em busca de seus esposos e pais, que estavam de armas em punho, batendo-se pela honra da Pátria, em defesa de suas santas e fecundas instituições, e que, com súplicas, rogos, lamentos, procuravam retirá-los daquele posto sagrado.

 

Diziam as pobres senhoras, repetindo o que haviam ouvido dos infames assaltantes que se preparava inevitavelmente um ataque à praça à viva força, ou que, pelo menos, ela seria forçada a render-se pela fome, que a cidade seria completamente arrasada pelo fogo e seus habitantes sem exceção passados pelas armas. A propagação dessas notícias monstruosamente assustadoras era o expediente hábil que procuravam os assaltantes para tentar enfraquecer o ânimo da guarnição e lançarem no seio das famílias o mais angustioso terror, pensando talvez que as eloquentes lágrimas das esposas extremosas pudessem afastar os republicanos do cumprimento de seu dever.

 

A distinta consorte do Dr. Vinhas, desvairada pela dor, abraçava-se com seu esposo, implorando-lhe que se retirasse da praça em nome de tudo o que possuiu de mais caro, que se lembrasse de seus filhinhos inocentes, que procurasse a salvação na fuga. O heroico e valente médico republicano, acariciando-a amorosamente, respondeu-lhe em tom que não admitia réplica:

 

Minha cara esposa, o que me propões seria a minha desonra, e tu não hás de querer ter um marido desonrado e indigno. Fico!

 

Infelizmente nem todos mostraram essa grandeza de alma: um de nossos companheiras, revestido das insígnias de Major da Guarda Nacional, não pôde resistir às solicitações de sua esposa e acompanhou-a para fora da praça, abandonando o seu posto, abandonando os seus companheiros, abandonando o seu velho pai, que firme como um espartano apreciou sem uma palavra a vergonhosa ação de seu filho. É verdade que já anteriormente dera provas de sua debilidade, desmaiando como uma donzela em ocasião de tiroteios. Deixemo-lo em paz, entregue à vergonha de seu triste procedimento e aos remorsos que logo devem tê-lo assaltado. Durante o dia continuou vivíssimo o fogo de fora.

 

As senhoras a que acima nos referimos e as outras que vieram à praça, noticiaram-nos que os sitiantes haviam varejado casas, procurando petróleo para continuarem à noite a tarefa dos incêndios; de fato, às 7 ½ horas tentaram lançar fogo à loja de chapéus do Sr. Manoel José Rodrigues, à rua 7 de setembro e a uma quadra das trincheiras, e ao quartel do Major Francisco Gonçalves Cassão, à rua 3 de Fevereiro.

 

Mas parece que os elementos indignados, resolveram opor-se à obra de destruição dos malvados; formou-se subitamente um violentíssimo temporal que veio impedir a consecução do premeditado incêndio. Repetidos relâmpagos cortando o espaço em todas as direções, trovões atroadores e medonhos, uma ventania desenfreada e por fim uma bátega d’água torrencial, tudo isto fez abortar o plano sinistro dos incendiários.

 

No entanto aproveitando, a escuridão pavorosa da noite, os assaltantes fizeram contra a praça uma vigorosa investida, supondo talvez que nela reinasse a confusão. Todos, porém, estavam a postos e o ataque foi brilhantemente repelido, casando-se a nossa indignação com a cólera celeste. Diminuiu a ventania, cessaram os trovões, mas a noite tornou-se de um negrume pavoroso, cortado frequentemente por fuzis rápidos e cintilantes, que acendiam no ventre escuro do firmamento lívidos e lúgubres clarões.

 

A chuva caia agora tranquilamente, acariciando a face ressequida da terra, e trazendo ao espírito dos homens uma espécie de bem estar aliviado.

 

Nas trincheiras nenhum rumor se ouvia. Todos se conservaram firmes em seus postos à espera de uma segunda tentativa de assalto que não se realizou.

 

Assim permaneceu a guarnição até a madrugada de 28, sofrendo pela manhã vivíssimo fogo a que não respondeu.

 

Às 3 horas e 25 minutos da tarde, chegou à praça um parlamento do General Tavares que entregou ao Coronel Telles a seguinte missiva: 

 

 

Quartel do Comando em chefe do Exército Libertador, 28 de dezembro de 1893.

 

Ao Sr. Comandante da Guarnição de Bagé.

 

Há 34 longos dias que com vossa guarnição vos achais sitiado, sem que o vosso governo tenha podido mandar forças em vosso auxílio. Como sabeis e vos garanto, a linha férrea está destruída até a estação de Cerro Chato.

 

As forças ao mando do coronel Sampaio, compostas do 29° e 32° Batalhões de Infantaria, e uma ala do 30° Batalhão de Artilharia, todos perfazendo mais ou menos seu total de 800 homens, o 2° e 5° Regimento de Cavalaria de Linha com 350 homens mais ou menos e alguns grupos de populares, não tem podido empreender marcha para vos trazer a proteção tão desejada, por insuficiência de cavalaria.

 

O General Hyppolito Ribeiro, com 600 homens, mais ou menos, a 18 do corrente chegou à cidade do Livramento e garanto-vos Coronel, que a 25 ainda ali se achava, e apesar de sua boa vontade dificilmente vos trará proteção, já porque em caso algum consentirei que se aproxime, e já porque não conseguirá o grande número de veículos de que carece para a condução do material bélico, munições de boca, etc., etc.

 

Se o General Hyppolito tivesse o propósito de vos trazer proteção, não teria perdido tanto tempo em procura de veículos, o que fez crer que o ponto a que se destina é muito oposto ao que supondes.

 

Existe, como sabeis, em Livramento, um milhão e duzentos mil tiros, munição de artilharia, armas, equipamento etc. e que tudo o General Hyppolito pensa e procura levar consigo, o que faz crer que o seu destino é Cacequi.

 

O “Exército Libertador”, dispondo de seis mil homens, nas cercanias de Bagé, bem armados o bem montados, não consentirá que em caso algum se aproximem as proteções que esperais, pois que em tempo e lugar oportuno as fará bater, para cujo fim tem forças avançadas em Pedras Altas e D. Pedrito.

 

Vossos emissários e nomeadamente o Capitão Souza, que com tanta generosidade foi acolhido pelo “Exército Libertador”, já chegou ao ponto de seu destino e entretanto a esperada proteção não veio nem virá, pelos, motivos que lealmente expus. Agora, que com a verdade e simplicidade que me caracterizam expus vossa situação, convido-vos, em nome da humanidade, a depor armas, reservando para vós e vossos comandados as garantias que em tais casos soem conceder-se.

 

General Silva Tavares. 

 

 

O Coronel Telles respondeu imediatamente pela forma seguinte: 

 

 

Quartel do Comando da Guarnição e Fronteira de Bagé, 28 de dezembro de 1893.

 

Ao cidadão General Silva Tavares.

 

Em resposta ao vosso ofício desta data, cumpre-me declarar-vos que nunca esperei e nem espero as proteções a que vos referis, pois conto unicamente com as Forças sob o meu comando.

 

É em nome da humanidade, que devidamente invocais que vos convido a depor armas, por isso que sois vós os rebeldes que vos armastes para combater um governo legalmente constituído e que neste momento represento, defendendo-o enquanto me restar alento.

 

É ainda em nome da humanidade que vos convido a não continuardes a consentir que os vossos comandados procedam a saques, ateando o incêndio a tantas propriedades, do cujo espetáculo tendes sido, como nós, presenciadores.

 

Carlos Telles, Coronel. 

 

 

Enquanto esteve na praça o parlamento, ficaram suspensas as hostilidades. Retirado este, recomeçaram com vigor novo. [Continua] (A FEDERAÇÃO N° 46) 

 

 

 

Bibliografia:

 

A FEDERAÇÃO N° 46. História do Sítio de Bagé ‒ Brasil ‒ Porto Alegre, RS ‒ A Federação n° 46, 23.02.1894.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·    Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·    Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·    Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·    Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·    Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·    Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·    Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·    Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·    Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·    Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·    Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·    Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·    Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·    E-mail: [email protected].

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