Bagé, 15.06.2020
A resistência dos Manáos foi causada somente pelas correrias portuguesas e pelo antagonismo natural das tribos, cujos rios eram penetrados. Ajuricaba é um nome inteiramente desconhecido dos Holandeses… (Joaquim Nabuco, 1903)
Relatos Pretéritos Controversos
Analisando apenas os antigos relatos de cronistas e mandatários portugueses, iremos considerar Ajuricaba como um celerado que vendia os índios de tribos rivais que apresava, diretamente aos holandeses em troca de armas e bebidas. Na “Questão do Pirara”, litígio fronteiriço entre a Guiana Inglesa e o Brasil, Nabuco faz uma defesa contundente de Ajuricaba absolvendo os holandeses e culpando os portugueses. A nascente república brasileira enfrentou na sua instalação muitas desavenças intestinas e os republicanos tentavam, a todo custo, apagar da memória dos nacionais as grandes conquistas portuguesas e as realizações do Império. O ato de “reescrever a história” não é um fato novo na biografia da humanidade e muito menos privilégio dos brasileiros. Quantas vezes foi usado para melhorar a autoestima de um povo em relação às suas conquistas e glórias maximizando-as e dando-lhes um colorido simpático e atraente. Infelizmente, quando certos Partidos com tendências totalitárias estendem seus tentáculos pelos tortuosos meandros do poder há um propósito claro de reescrever a história omitindo aquilo que não lhes é conveniente e usando de ardis de toda a ordem para mascarar desvios de conduta e atrocidades ou transformar antônimos em sinônimos ‒ totalitarismo em democracia.
O chavão “nunca antes na história deste país” empregado sistematicamente por alguns alienados encastelados, há alguns anos, no poder da República reflete apenas sua tentativa de menosprezar o passado. Ao negar as conquistas realizadas pelos seus antecessores, apoderando-se de programas iniciados em outros governos, olvidam o trabalho incansável das gerações que os antecederam. Menosprezam o trabalho de nossos pais e avós, desconsideram as belas páginas da história gravadas “Ad æternum” pelos nossos heróis. Voltemos, pois, à “Questão Ajuricaba” reportando textos de renomados historiadores de um passado não tão distante:
José Monteiro Noronha
174. Continuando a viagem mais dezessete léguas se chegará à nova Povoação de Santa Isabel, habitada por índios da nação Uaupé e situada na mesma margem Austral do Rio Negro, depois de deixar nesta os Riachos Xibaru e Mabá, e na do Norte, o Riacho Jaú, em que houve três grandes Aldeias de Manaos e entre elas a do facinoroso e rebelde principal Ajuricaba, e o Rio Daraá. (NORONHA)
Alexandre Rodrigues Ferreira
Que invadiam as aldeias dos outros gentios, situados nas margens do Rio-Negro e capitaneados pelo facinoroso Principal Ajuricaba, subiam pelo Rio Branco a vender os índios que cativavam aos holandeses de Suriname, com os quais se comunicavam, vencendo com jornada de meio dia o espaço de terra, que há entre o Tacutu e a parte superior do Rupunuri, que deságua no Essequibo, e este no Mar do Norte. (FERREIRA)
Antônio Ladislau Monteiro Baena
Na adjacência deste mesmo lugar habitou antigamente o nefário Ajuricaba, Principal dos Manaos e flagelo dos índios aldeados do Rio Negro seus conjuntos pela pátria natural, o qual se aliançara com os holandeses do Suriname, aonde ia pelo Rio Branco permutar com eles os índios, que fazia escravos por meio de assíduas e poderosas correrias praticadas nas aldeias discorrendo pelo Rio Negro à frente de uma esquadra de 25 canoas com a Bandeira dos Países Baixos. (BAENA)
Os Manao e o Despovoamento do Rio Negro
Na última década do século XVI, Walther Raleigh tomou conhecimento da existência dos Manao, o mais famoso grupo indígena da Bacia do Rio Negro, quando navegava pela Foz do Essequibo e do Baixo Orenoco.
Os Manao eram hábeis navegadores e ambiciosos comerciantes que usavam o ouro e escravos indígenas como moeda de troca.
Os Manao percorriam o Negro, alcançavam, na estação das chuvas, as Lagoas do Japurá através do Urubaxi onde adquiriam pequenas barras de ouro dos Aysuare, Ibanoma e Yurimagua. De posse do ouro e índios cativos eles atingiam o “Mar do Norte”, subindo o Rio Branco até o Tacutu e atravessando um trecho terrestre até o Rupunuri afluente do Essequibo para praticar o escambo com os holandeses instalados no litoral. O comércio de ouro, pelos Managu ([1]), foi relatado pelo Padre Cristóbal de Acuña, em 1639, e cinquenta anos mais tarde pelo Padre Samuel Fritz.
Os nativos que contatam os que extraem este ouro são chamados de Managu [Manao] e os que habitam o Rio se ocupam de extraí-lo, são chamados de Yumaguari, que quer dizer, em sua língua, “extratores de metal”, porque “yuma” é o metal e “guari” os que extraem. (ACUÑA)
Eles vão de canoa do Médio Rio Negro, via Urubaxi, até o Japurá. O comércio que esses Manaos praticam com os aysuares, ibanomas e yurimaguas consiste em pequenas barras de ouro, tinturas e raladores de mandioca […] (FRITZ)
Os sucessivos “descimentos” haviam transformado, no século XVIII, a região do Baixo Rio Negro (da Foz até Barcelos), uma extensão de aproximadamente 500 quilômetros, em uma área praticamente despovoada de aborígines. Os Manao faziam uma campanha sistemática de captura de índios de outras tribos que trocavam por mercadorias com as tropas de resgate. Para não perder o rentável negócio, os Manao impediam que as tropas de resgate alcançassem as cachoeiras do Alto Rio Negro onde existia uma considerável população indígena que lhes servia de “suprimento”.
Os Manao
No início do século XVIII, morre Caboquena, o grande líder dos Manao, que habilmente conseguira estabelecer um contato amigável com os colonizadores portugueses. O fim das hostilidades contra os colonizadores portugueses, por volta de 1675, tinha sido consolidado com o casamento de Marari, filha de Caboquena, com o Sargento Guilherme Valente. Assumiu, então, a liderança dos Manao, o fraco e corrupto Huiuebene, pai de Ajuricaba e filho mais velho de Caboquena.
Huiuebene negocia com as “Tropas de Resgate” obrigando os Manao a acompanhar os portugueses na captura de outros índios em troca de parte dos lucros do butim. Certa feita, a tropa de resgate tinha retornado de uma de suas incursões e, em visita à Aldeia dos Manao, festejavam o sucesso da empreitada, bebendo e discutindo a respeito da partilha dos bens até que, sem chegar a um acordo, acabam assassinando Huiuebene.
Ajuricaba havia sido preparado, desde cedo, pelo avô Caboquena para se tornar um líder. A relação com seu pai havia se degenerado rapidamente e ele já havia começado a se organizar para a tomada do poder. O assassinato de Huiuebene precipitou os acontecimentos permitindo-lhe assumir o posto de Tuxaua dos Manao.
Bibliografia
ACUÑA, Christóbal de. Nuevo Descubrimiento del gran Rio de las Amazonas ‒ Espanha ‒ Madrid ‒ Ed. García, 1891.
BAENA, Antônio Ladislau Monteiro. Ensaio Chorographico do Pará – 1839 ‒ Brasil ‒ Brasília, DF ‒ Senado Federal, 2004.
FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem Filosófica pelas Capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Conselho Federal de Cultura, 1971.
FRITZ, Samuel. In: PINTO, Renan Freitas. O Diário do Padre Samuel Fritz ‒ Brasil ‒ Manaus, AM – Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2006
NORONHA, José Monteiro de. Roteiro da Viagem da Cidade do Pará até́ as Últimas Colônias do Sertão da Província (1768) ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Livraria Itatiaia Editora Ltda. ‒ Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: [email protected].
Comunicado da Redação – Ariquemes Online
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