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Machado de Assis é tema de ficção de um leitor que o odiava

Publicado em: 20/07/2019 - 12:00
Machado de Assis é tema de ficção de um leitor que o odiava

“Está morto: podemos elogiá-lo à vontade”, foi assim que o narrador de um conto de Machado de Assis, O empréstimo, se referiu ao personagem central da história — o conto faz parte da antologia Papéis avulsos, de 1882. Um ano antes, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, este famoso defunto-narrador nos dizia que “o olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude logo que pisamos o território da morte”.

Pois no dia em que pisou o território da morte, em 29 de setembro de 1908, Machado de Assis recebeu homenagens de todos os grandes jornais do país, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Câmara dos Deputados, do Presidente da República e de quase todos os escritores e intelectuais da época, entre eles Ruy Barbosa, que exaltou “a inspiração lírica, a mestria no estilo, a bonomia no humorismo, a lhaneza, o tato, o gosto literário” do amigo que partia.

Naquele dia, entretanto, um tal de Pedro Junqueira, um seu rival desde os tempos de menino, saiu de casa para o enterro “com a intenção de contar a todos que Joaquim Maria Machado de Assis não passava de um leviano”. E não só leviano, Machado era, nas palavras de Pedro, “um patife”, “um canalha”, “um escritor medíocre”, “um plagiador”, alguém que construiu uma reputação “à base de fraude e bajulações”.

Antes de chegar à Academia Brasileira de Letras (ABL), local do velório, Pedro Junqueira entrou numa taverna para tomar uns tragos. Ali, entre uma dose e outra de conhaque, encontrou outro desafeto do morto, o crítico Silvio Romero. Este, porém, ponderou: o país estava comovido; falar mal do defunto, no enterro, seria um perigo; porque ele, Pedro, não escrevia um livro de memórias contando tudo sobre “o canalha”?

Após o conselho, Romero voltou para casa — não queria ser visto nas proximidades do velório, para depois não ser chamado de hipócrita. Pedro ficou na bodega olhando o movimento, bebendo conhaque, praguejando em silêncio contra o defunto. Até que, ao final da tarde, após o enterro, Pedro vai ao cemitério São João Batista. Ali, o corpo de Machado já repousava no túmulo 1.359, junto com Carolina, sua mulher, falecida quatro anos antes. Pedro deixou uma flor sobre o mausoléu e ainda fez uma oração, “não em memória de Machado de Assis, mas de Carolina, por quem eu nutria profundo amor e respeito”.

Ao sair do campo-santo, Pedro Junqueira reaviva a sugestão de Silvio Romero e decide que não tem mais tempo a perder, precisa começar a escrever o livro de memórias. E assim é o primeiro capítulo, o início da narrativa de O homem que odiava Machado de Assis, segundo romance histórico do defensor público José Almeida Júnior, nascido no Rio Grande do Norte e radicado em Brasília. Sua estreia literária, com Última Hora, lhe valeu o Prêmio Sesc de Literatura 2017 e o título de finalista de outros dois renomados prêmios literários no país — o Jabuti e o São Paulo.

Em O homem que odiava…, José Almeida Júnior aproveita um período desconhecido da história de Carolina, a mulher de Machado, para colocar entre eles o tal Pedro Junqueira. E este, em 237 páginas e 33 capítulos, vai narrando em primeira pessoa as suas memórias seletivas, revelando seus preconceitos, disparando seu libelo acusatório contra o rival. Num dos trechos, no capítulo 22, Pedro diz; “Se Machado não confessar o plágio, eu explodiria sua cabeça com um só disparo”. O criador do defunto-autor, contudo, sabendo ou não dessa diatribe, não deve estar lá preocupado com Pedro Junqueira. Afinal, como dizia seu Brás Cubas, “não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados”.

Marcelo Torres é jornalista, especialista em jornalismo literário, autor de O bê-á-bá de Brasília.

 Marcelo Torres – Especial para o Correio
 

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