A Seca Grande (1877-1879)
Guiado talvez por instintivo impulso de aventura, desprezou as regiões dos baixos Rios, que continuaram a ser ohabitat da população indígena, penetrou os altossertões e violou-os até as linhas imprecisasde suas fronteiras ainda mal traçadas. (LIMA)
As caravanas de retirantes a marchar sempre, como o Ahasverus da lenda, suplicando embalde à muda imensidade uma gota d’água para lhes mitigar o calor dos lábios incendiados pela sede! Tudo era miséria e desolação! As árvores, como esqueletos de pé, estendiam os braços ao espaço, enquanto um vento quente e impetuoso varria do solo as folhas torradas pelo Sol! (THEOPHILO)
A maior seca de todos os tempos assola a região Nordeste vitimando mais de 500 mil nordestinos. O auge da produção e comercialização da borracha estimula enormes levas de flagelados a serem transportados precariamente para os seringais. Milhares perdem a vida no trajeto e os sobreviventes são abandonados à própria sorte na floresta hostil. Rodolpho Theophilo faz uma analogia entre o fado dos retirantes nordestinos e a maldição do lendário Ahasverus. Reza a lenda que Ahasverus, contemporâneo de Jesus Cristo, possuía uma oficina, em Jerusalém, localizada na rua por onde cruzavam os condenados à morte por crucificação, carregando suas pesadas cruzes.
Na Sexta-feira da Paixão, Cristo, ao passar na frente da oficina de Ahasverus, foi por ele escarnecido e agredido e, Jesus, então, condenou-o à imortalidade e a vagar “in æternum”.
O Seringueiro, como o sertanejo de Euclides da Cunha, era antes de tudo um forte, não esmorecia e com a obstinação de um titã, com uma energia e tenacidade assombrosas enfrentava, heroicamente, a floresta, os selvagens e as feras que os espreitam nas estradas da seringa.
É uma raça extraordinária empreendendo uma marcha colonizadora épica jamais registrada nos anais da História da Humanidade. Pouco a pouco, os seringais vão prosperando às margens do Madeira, do Purus, do Acre, do Tarauacá, do Juruá, do Abunã, do Iaco e do Beni. Não lhes importa de quem seja aquilo, como dizia Euclides da Cunha, era “terra por desbravar, por construir”. O látex transforma a Amazônia num verdadeiro “El-Dorado”.
O Vaticínio de William Chandless
William Chandless, como todos os cientistas e naturalistas estrangeiros que percorreram os “ermos sem fim” da Amazônia Brasileira, não acreditavam na férrea determinação e a ciclópica vontade de uma raça forjada no calcinado sertão nordestino expulsa de seu torrão natal pela seca inclemente. Desconheciam a força de uma raça capaz de enfrentar as mais adversas reações do meio físico, uma raça que foi capaz de adaptar-se e triunfar sobre a natureza, gravando nas páginas de nossa história gloriosos exemplos de civismo e de heroicidade.
William Chandless não tinha a lucidez de um Euclides de Cunha que nos faz uma análise importante, no seu “Um Paraíso Perdido”, de como os vigorosos estrangeiros nordestinos pagaram caro o aclimatamento à “Terra das Águas” antes que os genes mais vigorosos dos pioneiros fossem impregnados com as suas melhores e mais fortes virtudes e predicados e repassados às novas gerações.
De fato – à parte o favorável deslocamento paralelo ao Equador, demandando as mesmas Latitudes – não se conhece na História exemplo mais golpeante de emigração tão anárquica, tão precipitada e tão violadora dos mais vulgares preceitos de aclimatamento, quanto o da que, desde 1879 até hoje, atirou, em sucessivas levas, as populações sertanejas do território entre a Paraíba e o Ceará para aquele recanto da Amazônia. […]
Salvam-se os que melhor balanceiam os fatores do clima e os atributos pessoais. O aclimado ([1]) surge de um binário de forças físicas e morais que vão, de um lado, dos elementos mais sensíveis, térmicos ou higrométricos, ou barométricos, às mais subjetivas impressões oriundas dos aspectos da paisagem; e de outro, da resistência vital da célula ou do tônus muscular, às energias mais complexas e refinadas do caráter. Durante os primeiros tempos, antes que a transmissão hereditária das qualidades de resistência, adquiridas, garanta a integridade individual com a própria adaptação da raça, a letalidade inevitável, e até necessária, apenas denuncia os efeitos de um processo seletivo. Toda a aclimação é desse modo um plebiscito permanente em que o estrangeiro se elege para a vida. (CUNHA, 2000)
Migração Nordestina
João Craveiro Costa no seu livro “A Conquista Ocidental do Deserto Ocidental”, editado pela Companhia Editora Nacional, em 1940, rebate o vaticínio de William Chandless e relata a migração nordestina.
O Purus
A impressão de Chandless não foi favorável ao Purus. Dela refere Jean Jacques Élisée Reclus a notícia que nos chegou. Levou-a Chandless ao conhecimento da Geographical Society, de Londres, prenunciando ao grande Rio séculos para o seu povoamento, “tal o flagelo dos mosquitos, a insalubridade dos campos ribeirinhos e as mudanças incessantes que se dão no regime do Rio”.
Mas o próprio Chandless registrou o movimento comercial que se operava no Purus. A exportação, em 1861, não era de desprezar: 793 arrobas de salsaparrilha, 9.936 de cacau e 16.777 de borracha. Três anos depois, verificava-se um aumento sensível: salsaparrilha 3.092 arrobas; 14.100 de cacau e 36.625 de borracha. A importação, segundo o mesmo explorador, assinalava a cifra de 20.000 libras esterlinas, aproximadamente. Falhou o vaticínio de Chandless. A riqueza vegetal das margens do Purus despertou a cobiça do comércio e, em 1869, ele começou a ser navegado por vapores da Companhia Fluvial Paraense, organizada no mesmo ano da celebração do Tratado de Limites com a Bolívia, para a navegação do Amazonas e seus tributários principais. Em 1871, excedia de 2.000 o número de seringueiros na região estabelecidos e a fundação da Cidade de Lábrea, à Foz do Rio Ituxi por Pereira Lábrea, data daquele ano.
Não eram o Purus e o Acre, como declarou o Sr. Dyonizio de Cerqueira, uma região abandonada, por ocasião do tratado de 1867. Pela Bolívia ela o era certamente, não só abandonada, mas inteiramente desconhecida. O Acre entrou para os nossos conhecimentos hidrográficos desde 1860, pela exploração de Manoel Urbano, ao passo que os bolivianos o desconheciam por completo, tanto assim que o próprio Beni, “depois de várias tentativas para ser explorado, só o foi em 1881 por Antenor Vasquez e, em 1884, pelo Padre Armentia”. (COSTA)
Ahasverus e o Gênio
(Antônio de Frederico Castro Alves)
Sabes quem foi Ahasverus? ([2]) – o precito ([3]),
O mísero Judeu, que tinha escrito
Na fronte o selo ([4]) atroz!
Eterno viajor de eterna senda…
Espantado a fugir de tenda em tenda,
Fugindo embalde à vingadora voz!
Misérrimo! Correu o mundo inteiro,
E no mundo tão grande… o forasteiro
Não teve onde… pousar.
Com a mão vazia – viu a terra cheia.
O deserto negou-lhe – o grão de areia.
A gota d’água – rejeitou-lhe o Mar.
D’Ásia as florestas – lhe negaram sombra
A savana sem fim – negou-lhe alfombra ([5]).
O chão negou-lhe o pó! …
Tabas, serralhos ([6]), tendas e solares…
Ninguém lhe abriu a porta de seus lares
E o triste seguiu só.
Viu povos de mil climas, viu mil raças,
E não pôde entre tantas populaças
Beijar uma só mão…
Desde a virgem do Norte à de Sevilhas,
Desde a inglesa à crioula das Antilhas
Não teve um coração!
E caminhou! … E as tribos se afastavam
E as mulheres tremendo murmuravam
Com respeito e pavor.
Ai! fazia tremer do vale à serra…
Ele que só pedia sobre a terra
– Silencio, paz e amor! –
No entanto à noite, se o Hebreu passava,
Um murmúrio de inveja se elevava,
Desde a flor da campina ao colibri.
“Ele não morre” a multidão dizia…
E o precito consigo respondia:
– “Ai! mas nunca vivi!” –
O Gênio é como Ahasverus… solitário
A marchar, a marchar no itinerário
Sem termo do existir.
Invejado! a invejar os invejosos,
Vendo a sombra dos alamos frondosos…
E sempre a caminhar… sempre a seguir…
Pede uma mão de amigo – dão-lhe palmas;
Pede um beijo de amor – e as outras almas
Fogem pasmas de si.
E o mísero de gloria em gloria corre…
Mas quando a terra diz: – “Ele não morre”
Responde o desgraçado: – “Eu não vivi! …”
Comunicado da Redação – Ariquemes Online
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