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A coalizão da austeridade

Publicado em: 08/09/2015 - 12:00
A coalizão da austeridade
Por que o governo Dilma Roussef, cuja presidenta foi eleita mediante um programa de campanha oposto ao que está sendo implementado, aderiu à austeridade neoliberal, um conjunto de políticas visando reduzir o déficit orçamentário, basicamente cortes de gastos e aumento de impostos, para dar sustentabilidade ao pagamento da dívida pública aos credores do Estado e induzir a um ajuste das condições de acumulação no setor privado, sacrificando empregos e salários? Responder a essa pergunta de modo abrangente é difícil, mas há pistas que podem ajudar a mapear o terreno do problema. Umas delas diz respeito às características estruturais das demandas do empresariado sobre o Estado e à sua disposição organizativa para conquistá-las.
 
Em primeiro lugar, o ambiente econômico e político da ordem internacional globalizada e dos principais países desenvolvidos e emergentes possui uma tripla característica complementar. Por um lado, as práticas econômicas neoliberais, o rentismo, a financeirização, a busca irracional de valorização dos ativos, a especulação de curto prazo continuam sendo tendências muito fortes entre os agentes, prejudicando um modelo de economia capitalista mais apoiado em perspectivas racionais e equilibradas de investimento e crescimento de longo prazo; por outro lado, as principais forças sociopolíticas comprometidas com esse modelo neoliberal se apoderaram nas últimas décadas, influenciam decisões governamentais, detém posições de poder nos diversos mercados e nas relações sociais em geral, possuem grande parte dos títulos públicos, são credores da dívida pública, controlam investimentos de monta e a grande mídia, financiam partidos políticos e campanhas eleitorais etc. Por fim, os Estados, as elites políticas e da burocracia pública, as lideranças partidárias e as decisões sobre políticas públicas são muito pressionadas a se adequarem às diretrizes emanadas desse ambiente econômico e sociopolítico do capitalismo financeirizado. Uma dessas pressões advém das agências de classificação de risco, que avaliam o grau de investimento dos países. Atualmente, o Brasil está sob ameaça de perder o grau de investimento conquistado desde 2009, no segundo mandato de Lula, entre outros motivos, devido ao déficit primário de 0,63% do PIB em 2014 e ao crescimento do déficit nominal, que inclui os juros.
 
Em segundo lugar, o modelo alternativo de economia capitalista, de corte desenvolvimentista, em contexto de regime democrático, embora seja difícil, é possível, como chegou a se desenhar a partir de Lula, mas depende de dois fatores importantes, entre outros: bases sociopolítica e político-partidária de sustentação e estratégia eficiente. O êxito de Lula foi maior por ter agregado mais apoio, mas também porque governou em uma conjuntura mais favorável da economia internacional, que possibilitou ao país arrecadar divisas e receita tributária com a ampliação das exportações de commodities para a China a preços relativamente elevados e de manufaturados para a América do Sul. Além disso, com a inclusão social, via aumento do emprego, da renda e dos gastos com políticas sociais, o mercado interno dinamizou-se. Por outro lado, quando veio a crise internacional, no final de 2008, as medidas anticíclicas, a começar pelo aumento do gasto público e a maior oferta de crédito pelos bancos públicos, foram utilizadas de modo eficiente. Após um PIB ligeiramente negativo em 2009, em 2010 o país cresceu 7,6%.
 
Ocorre que o ciclo de expansão verificado na América Latina no período 2002-2008 passou, a partir de 2009, a enfrentar restrições e o crescimento desacelerou. Em linhas gerais, o que ainda caracteriza o sistema produtivo da região é a produção e exportação de commodities, sendo que desde 2011, devido à crise, tem havido diminuição da demanda internacional e queda dos preços desses bens, a começar por petróleo, passando por energia, metais e minerais, matérias-primas agrícolas e alimentos. Segundo o Banco Mundial, essa queda dos preços nas principais commodities é extremamente rara e resulta da ampla oferta e baixa demanda. Nesse contexto, os países latino-americanos, inclusive o Brasil, passaram a depender relativamente mais da demanda doméstica. Quem sabe em 2015, com a desvalorização do real, as exportações melhorem, conforme já se observa em produtos como calçados, vestuário e suco de laranja.
 
Mas Dilma assumiu o comando do país nesse contexto internacional de aterrissagem da crise na América Latina. A vulnerabilidade do sistema econômico ficou mais exposta. Os limites do sistema produtivo do almejado modelo social-desenvolvimentista demandavam e ainda demandam aumento da taxa de investimentos públicos e privados e fortalecimento da indústria de maior valor agregado, produtora de bens manufaturados mais sofisticados em matéria de tecnologia e inovação, cuja participação na pauta de exportações têm caído desde os anos 2000, sobretudo devido à valorização cambial. O Brasil tem regredido em matéria de sofisticação produtiva. Commodities, mesmo que industriais, não são suficientes e sua exportação é mais volátil. Por outro lado, a sofisticação produtiva tende a estender as cadeias industriais e propiciar melhores empregos e salários. Mas o fato é que o insucesso, em termos de impacto no crescimento e na taxa de inflação, das ações governamentais, passando pelo contingenciamento de despesas em 2011, depois pela opção desenvolvimentista de baixar os juros adotada até 2013 e pelo ciclo eleitoral de 2014 mudou o cenário favorável de relação com o empresariado que Lula havia logrado obter. As ações desenvolvimentistas de Dilma foram muito dependentes de gastos públicos e excessivas renúncias fiscais (como reconheceu o ministro Aloísio Mercadante em entrevista publicada no último domingo), sem que fossem enfrentados, simultaneamente, fundamentos importantes, que Lula também não havia enfrentado, situados, por um lado, na política macroeconômica de juros altos e câmbio valorizado e, por outro, na necessidade de reestruturação produtiva. Ademais, as políticas sociais foram mantidas, havia pleno emprego e os salários cresciam acima da produtividade.
 
Esse cenário econômico, brevemente resumido, provocou uma reação do grande empresariado, de todos os setores, contra o intervencionismo estatal. Em termos políticos, deve-se incluir o outro lado da mesma moeda, a debilidade dos mecanismos institucionais de diálogo com os empresários, tema várias vezes abordado nessa coluna. A reação contra a política econômica de Dilma se somou, por assim dizer, ao impacto negativo da Operação Lava Jato sobre o PT e outras forças da base governista, dando ensejo à aguerrida ofensiva da oposição, liderada pelo PSDB.
 
O problema não é que o déficit não exista, tampouco que ele seja gigantesco. Os problemas são dois. Por um lado, a mudança na relação de forças, com a reação do empresariado contra a política econômica de Dilma e a ofensiva da oposição. Por outro, a opção de política, a escolha pela austeridade. A alteração na relação de forças evoluiu no sentido de favorecer a coalizão da austeridade. Após as eleições de 2014, Lula, para acalmar o mercado, defendeu o nome de Henrique Meirelles para ocupar a pasta da Fazenda, mas Dilma recusou. Lula então indicou o banqueiro Luiz Carlos Trabucco, presidente do Bradesco, que, por sua vez, sugeriu Joaquim Levy, na ocasião executivo do mesmo grupo financeiro. Levy já havia sido secretário do Tesouro Nacional em Lula 1, quando Antonio Pallocci estava na Fazenda. Na ocasião, foi um campeão de arrecadação de superávit primário. Agora, diante das dificuldades para cumprir a meta de arrecadar 1,1% do PIB de superávit primário em 2015, teve que aceitar sua alteração para 0,15%. Na semana passada, cogitou deixar a pasta, contrariado com o envio ao Congresso, pelo Executivo, de uma proposta orçamentária com previsão de déficit primário de R$ 30,5 bilhões para 2016, visando que os parlamentares assumissem sua responsabilidade com a situação fiscal.
 
Mas outro fato relevante foi noticiado nos últimos dias: uma reunião do ministro Levy com grandes empresários de diversos setores, tendo à frente Luiz Carlos Trabucco, incluindo, entre outros, o presidente do IEDI, Pedro Passos, Beto Sicupira, Edson Bueno, Carlos Jereissati e João Moreira Salles. Em seguida, após se reunir com Dilma, Trabucco garantiu a permaneça de Levy no cargo e a manutenção da meta de arrecadar 0,7% do PIB em superávit primário para 2016. Os empresários querem evitar que o Brasil perca o grau de investimento. Eles estão preocupados com os negócios, e não envolvidos na fabricação de impeachment. Essa iniciativa desses grandes empresários é uma importante evidência empírica, entre outras existentes (ver matéria dessa coluna publicada em 14 de abril), da coalizão da austeridade, que vem enquadrando politicamente o governo Dilma 2. Veremos quais serão seus próximos desdobramentos institucionais. A austeridade, ocultando a ganância rentista por trás de uma política de combate à inflação através do aumento dos juros, que eleva os encargos da dívida pública, beneficia os credores e prejudica a prestação dos serviços públicos e a ação desenvolvimentista do Estado. Além disso, no setor privado, joga nas costas dos empregados o peso do ajuste da taxa de lucros, com demissões e rebaixamento salarial.
 
A austeridade, como mostram experiências atuais no mundo todo, não tem como ser uma boa alternativa para o conjunto da sociedade. Segundo Keynes, com o qual grandes economistas vivos, como Amartya Sen, concordam, “o boom, não a crise, é o momento correto para a austeridade do Tesouro”. Em palestra recente, criticando a austeridade, Sen disse: “Há, de fato, muitas evidências na história do mundo indicando que a forma mais eficaz de reduzir os déficits é resistir à recessão e combinar a redução do déficit com crescimento econômico rápido”. As falhas fiscais em Dilma 1 deveriam ser corrigidas por uma opção efetivamente orientada para o crescimento sustentável. Manifesto divulgado em maio por desenvolvimentistas brasileiros afirma: “Uma economia forte e dinamizada produz aumento da arrecadação, e o resultado é o equilíbrio fiscal. Durante o segundo governo do presidente Lula, a economia cresceu em média 4,7% ao ano e a dívida pública caiu como proporção do PIB de 45,5%, em 2007, para 39,2%, em 2010. E como resultado do crescimento econômico de 7,6%, em 2010, o déficit nominal foi reduzido para 2,5% do PIB.” Ao que tudo indica, a opção atual, ao contrário de trazer rapidamente a volta do crescimento – na verdade, está incentivando a recessão – colocará em risco conquistas sociais recentes, diminuirá a renda das famílias e prolongará uma travessia que poderia ser bem mais curta e menos dolorosa.
 
Enquanto a centro-esquerda falha nas virtudes desenvolvimentistas, a começar pelo crescimento, enfrenta a adversidade da crise internacional, não cumpre seu programa eleitoral e, ainda por cima, se envolve em corrupção, a coalizão neoliberal avança, submetendo a nação à austeridade, desmoralizando a mandatária eleita e prejudicando a imagem pública de seu partido como organização comprometida com os trabalhadores. A história recente, de 2003 em diante, mostra que não necessariamente o empresariado produtivo precisa participar dessa coalizão, mas, havendo desequilíbrio entre o social e o desenvolvimentismo ou entre Estado e mercado, ele se abrigará onde se sente mais seguro.
 

* Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador das relações entre Política e Economia e Visiting Researcher Associate da Universidade de Oxford (Latin American Centre)  

Comunicado da Redação – Ariquemes Online
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