Numa noite de verão

Numa certa noite do quente verão de Rondônia, duas mulheres não conseguiam pregar os olhos. Rolavam pra cá e pra lá e nada. A inquietude pela a ausência dos maridos tomou conta dos pensamentos. Por onde andarão aqueles trastes? Não estavam na casa dos amigos nem nos poucos locais frequentados naquele começo da década de 80 na cidade de Ariquemes. Certamente, pensavam, nas casas das putas, lá na Gaucha, da Vila Velha, o único lugar não procurado.

 

A desconfiança transformou-se em angústia e agonia na medida em que se aproximava a aurora. Só restava um bar aberto funcionando numa das casas do Valdir Perin, da Campeã, na esquina da recém aberta Avenida Canaã com a Tancredo Neves, bem em frente à recém inaugurada agência do Banco do Brasil, encravado no meio da floresta da Área Institucional da cidade. E lá eles não estavam.

 

Pura verdade. Não estavam e nem estiveram naquele bar naquela noite. Mas se tivessem perguntado ao garçom do estabelecimento, este, com certeza teria notícias para dar. Pois ele próprio passara a noite alimentando e molhando o papo infindável daqueles dois senhores que restaram de tanta gente que já passara pela mureta que dividia o passeio do terreno do Banco do Brasil. Um prédio bonito, com área gramada e todo iluminado, já que tinha o seu próprio gerador. Era o novo point da cidade.

 

Pois Raimundo Coutinho, bom de copo e de papo, dividiu a noite inteira com o jornalista Osmar Silva, também bom de prosa, num conversê sem fim. Tão envolvidos estavam na discussão sobre a construção da cidade, a criação dos setores(bairros), a formação da classe política e até da própria sociedade, que nem perceberam que a noite escorrera com a mesma sofreguidão dos goles de cerveja goela abaixo.

 

Este nobre exercício já há via sido bastante praticado quando o Raimundo inaugurou o Ray Lanches na Avenida Jamari, a mais vistosa da cidade. Espaçosa, com mesa e cadeiras, se parecia com uma mercearia em função de um longo balcão protegendo várias prateleiras. Mas foi o perfil de bar que mais atraiu a clientela ávida por uma gelada e um bom papo. Coisa que o dono tinha de sobra. Além de ser uma excelente fonte de informações. Antenado, sabia de tudo o que acontecia na cidade.

 

Essas habilidades nas relações humanas e o trânsito fácil com todos, acabou evoluindo para a criação da futurista Imobiliária 2000, a primeira da cidade, numa época que cada negócio novo era o primeiro. Virado, Raimundo posteriormente transformou-se empresário da construção civil. Fez casas e prédios e ganhou dinheiro suficiente pra formar um advogado e um engenheiro, fora de Rondônia, os dois filhos que teve com Joana, a Mana, para os amigos. Aquela que sofrera apreensões na noite que ele e o outro passaram ampliando a cinturinha de ovo com frituras e cerveja na mureta do Banco do Brasil.

 

Este pioneiro oriundo de Campinho da Lagoa, Paraná, pai do procurador da República, Dr. Hudson, e do engenheiro, Dr. Rogério, está sendo velado em Ribeirão Preto, São Paulo, onde enfrentou e perdeu a sua mais dura batalha contra uma diabete resistente.

 

Independente do resultado dessa refrega, Raimundo Coutinho e a sua Joana são vitoriosos e destemidos pioneiros dessa nossa amada Ariquemes e do glorioso Estado de Rondônia. Ele deixou, com o suor do seu rosto, a boa marca das suas mãos nessa construção.